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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sexta-feira, 5 de maio de 2006

LIVRO DE RECLAMAÇÕES

Acordou sobressaltado. E maior sobressalto o sacudiu ao verificar que o telefone tocara três minutos depois da hora que ele teria combinado com o serviço de despertar. Que grande desaforo. Ainda teve ímpetos de ir pedir contas a quem de direito por tamanha negligência, mas já não podia perder mais tempo. O avião não espera por ninguém. Teria até que acelerar e desde já, segundo a segundo, todos os passos em falta―banho, barba, dentes, roupa, calçado, mala de viagem, prendas, livros de bolso, pasta de documentos, pequeno-almoço, pagamento do quarto do hotel e chamar um táxi―, e também segundo a segundo recuperar, se possível, os três minutos de atraso.
Mas um minuto a mais ou a menos, em horas de ponta, é de extrema importância. De que modo fugir àquele caos de arranques, travagens, ziguezagues, buzinadelas, pequenos e grandes choques e respectivas amolgadelas, insultos, cuspidelas, pancadaria? Só por intervenção do céu num passe de magia milagreira, se milagres houvesse, que nunca houve, ao que se sabe, em casos destes.
Enfim chegado ao aeroporto, os remalditos três minutos―agora é que sim, por milagre de assegurada confirmação―ter-se-iam multiplicado umas quinze vezes no útero do desespero, atingindo pois, e sem fazer grandes contas, a trágica realidade de quarenta e cinco. Três quartos de hora, nem mais nem menos. Não o deixaram sequer aproximar-se dos balcões e portas de embarque. Que poderia dispor de outro voo, no dia seguinte, à mesma hora, com o mesmo destino.
E já no táxi, de regresso ao hotel, ouviu a notícia de que aquele avião se despenhara no mar, escassos minutos depois de ter levantado da pista. E que entre passageiros e tripulação não haveria esperança de encontrar sobreviventes.
Assim sendo, porque agora até tinha tempo para tudo, o melhor seria ordenar ao taxista que alterasse o rumo e de imediato o transportasse à companhia dos telefones, onde solicitaria o livro de reclamações e lá lavraria o seu mais veemente protesto pelos três minutos de atraso no serviço de despertar.