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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sexta-feira, 5 de maio de 2006

EM TOM ALQUEBRADO (PROPOSTA DE FADO A AVANÇAR UM DIA)

A voz mal se ouvia, e a luz era escassa. Cheirava a desgraça e a fel de agonia. Janelas dormiam, mostrando cortinas de parco recorte e parda brancura. Escorriam as pedras trôpegas da calçada. O tempo morrera por dentro e por fora de quem se lhe unira. Não se via nada, nada tinha vida no assombro em redor. Só portas fechadas. E o homem da banza, em timbre sumido e em escala menor, chorava ao tocar. Que a bruma a levasse, que a morte a matasse, que a tragasse o mar. De súbito, um grito. Uma sombra em fuga através do ar. E ao fundo da noite, entre o alarido de espantos e sustos acorrendo à uma, um corpo a sangrar no chão da calçada. Do homem da banza ninguém sabe nada. Se o mar o levou, se a morte o matou, se o tragou a bruma. Ninguém dele sabia. Só sabiam dela, ali, derramada. Ali, destroçada entre o breu e o medo, num desvão sem nome de guardar segredo, no chão da calçada, num corpo a sangrar. E ao lado do corpo, dormente, pungente, vibrante de raiva e paixão cortante, as cordas agora tornadas num feixe de cordas de forca a matar sem dó, quebrada ao quebrar os cornos da diva que a noite enganara, a banza a chorar nos ecos audíveis às trevas da rua.
Mas... desafinada.