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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

terça-feira, 9 de maio de 2006

O CASO DA TROCA DE CHAVES E NÃO SÓ

De regresso a casa, quando se mete a chave na fechadura da porta, nunca se sabe, com indesmentível certeza, aquilo que lá dentro se irá encontrar. Mesmo que não se viva só e se saiba quem lá se deixou ao sair. Ou mesmo que a sós se viva e se esteja certo de que não se deixou lá ninguém. Ninguém calculará, por isso, qual a reacção que virá a ter ao dar com a invasão, que até pode muito bem ser benigna: patifaria carnavalesca de amigos, brincadeira de vizinhos ou parentes próximos, experiência científica para efeitos de sondagem, ensaio policial para vigilância de outras casas suspeitas, simples ataque dos bombeiros a alguma fuga de gás ou a qualquer princípio de incêndio.
Agora imagine-se alguém, depois de rodar a chave, a empurrar a porta e a descobrir lá por detrás uma resistência qualquer. Do género saco de roupa pesadote, sem denúncia de arestas a agredir o soalho. Ou do género humano, nem mais: um corpo, caído sem sentidos ou mesmo morto. Que reacção poderia ter quem quer que fosse, assim apanhado de surpresa, ao ver-se obrigado a forçar a entrada na sua própria casa à força de ombros, e ao tropeçar, por descuido, naquela massa-bruta esparralhada, sem acordo nem identificação à primeira vista, sobre um pantanal de sangue grosso e viscoso?
A polícia não deu crédito à versão apresentada e prendeu-o logo, por ordem do tribunal, sem caução, até que terminassem as investigações e se determinasse a verdade. E a verdade seria tão melindrosa como encantar serpentes sem pífaro: o corpo por detrás da porta, morto havia já muitas horas, era então o do vizinho de cima, que praticara haraquiri ao saber que a mulher o enganava com o vizinho de baixo. E este ter-se-ia enganado no andar e aberto a porta do outro com a chave que julgava ser da sua, mas que era a que ela lhe dera.
Dela nunca mais se soube, e é pena. Consta que era lindíssima.