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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sábado, 13 de maio de 2006

MUITO BEM FEITO

Recorda-se, de súbito, de que ela lhe tinha dito da janela “telefona quando lá chegares”, ainda ele não se metera dentro do carro. Não estranhou, na altura. Mas estranha agora. Foi a primeira vez que lhe ouviu dizer aquilo. Aliás, viagens de duzentos e muitos quilómetros, como esta, fazia-as todas as semanas, e quantas vezes mais do que uma. Quereria ela ter a certeza da distância a que ele estaria, para se sentir mais segura e dar então corda a algum derriço de outrora em reciclagem? Diante deste quadro mental e por instinto sem imediata explicação, abriu o porta-luvas e verificou que o velho revólver lá estava. E carregado, como sempre.
Resolveu parar ali mesmo, para pensar e decidir entre continuar ou não. Azar o dele: veio uma brigada e multou-o por estar parado na auto-estrada sem aparente motivo que o justificasse. E só continuaria a viagem até à primeira saída onde pudesse inverter a marcha e dar a volta aos seus temores. E se a fosse encontrar na cama com alguém? E se apenas a descobrisse a voar aos céus num banco de jardim? E se tão-só desse com ela de mãos dadas com algum dos amigos lá de casa? E se afinal só a surpreendesse, enlevada, no sofá, a revisitar velhas fotografias e velhas cartas de amor? Que idiotice a dele. Aos setenta anos de idade com ciúmes por causa de uma velha de sessenta e cinco?
Parou na berma outra vez e uma vez mais foi multado.