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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

terça-feira, 3 de outubro de 2006

DOS PASSARITOS NÃO REZA A HISTÓRIA A ESCREVER COM PENAS

Olha em volta. Não se vê ninguém. Esta hora é propícia, se se não der o caso de algum retardatário, sem sede, no regresso a casa. Sempre foram uns meses de impaciente mas meticulosa observação, noite acima noite abaixo, tudo aparentando estar em conformidade. E se alguém tombasse do céu, agora, e aqui se desse com ele, tão afastado do percurso habitual em quem tome a noite como sua amante? Do céu não cai ninguém, que se saiba, sem que até tivesse subido, por seu esforço, e se aguentasse a pairar, qual avejão cobiçoso dos passos de quem cá mais por baixo se perca.
Apesar de tudo, de todas as contas feitas, de todo o rigor nos preparativos, de toda a convicção auto-inoculada logo após o impulso da decisão, sente o chão abanar por debaixo dos pés, descalços, fincados num miserável naco de terra, de escolha à sorte, como se entretanto ali tivessem criado raízes. E até lhe tremem as mãos, os dentes, o nariz, os olhos, o próprio couro cabeludo. Estremecem-lhe as ideias acerca dos reais motivos que aqui o puseram numa hora destas, tão distante de casa e já tão esquecido do mundo a que pertencerá. E se regressasse ao estado de ânsia anterior, o de peregrino sem crença que o impulsione ou atraia, ou o de eremita enfronhado no meio da multidão, ou o de simples passageiro embarcando a caminho de sítio nenhum em nenhures?
Desistir é próprio dos fracos–, dizem os valentões instalados no poleiro à plebe rastejante. Andar às arrecuas nem sempre quer significar cobardia–, diz a prudência dos mais avisados em frente do espelho. E não aproveitar um ensejo destes não será senão estupidez–, diz a si mesmo o protagonista da cena em decurso, abrindo os braços como se fossem asas e voando até muito para lá do infinito.