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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sexta-feira, 22 de setembro de 2006

ANTES LUNETAS QUE SINETAS DE ALARME À MÃO DO SONO

Como se a vida fosse uma laranja, de casca amarga e um âmago doce e sumarento, embora ácido, assim ela a aceita e usufrui, conquanto se contemple no reflexo na água do tanque, onde enxagua ao de leve um alguidar de roupa. Impreciso e tremelicante, o reflexo. Incapaz de lhe dar a ouvir o clamor dos olhos pisados. Por isso, os óculos.
Por isso, os óculos de sol em tempo de chuva e a chave do carro, ali à mão, num bolso, se preciso for. Quanto à roupa, encharcada, a rogar estendal de corda e molas e alguma aragem morna, qualquer saqueta de plástico substituirá com vantagens o malote de viagem, de que ele ainda se serve como travesseiro. "O mais eficaz e barato dos processos anti-roubo"–, dissera ele, depois de saciado nela, virando-lhe as costas e embrulhando-se no saco-cama, ao fundo da tenda, já a dormir antes de despejar a cabeça sobre o dito improviso de almofada e dispositivo contra ladrões que tão bem publicitara.
O guarda do parque aproveitou o alguidar como vaso para lá plantar uma roseira, em que hoje tanto se remira, junto à porta levadiça. E a tenda, apesar do mau cheiro que lhe empestou o pano durante quase uma semana, e uma vez transpostas todas as formalidades de retirar o corpo do campista assassinado, ainda a impingiu bem, na temporada do ano seguinte, a uma jovem que por lá apareceu, de carro, com um malote de viagem e óculos escuros.
E devia ter uns olhos bonitos, se bem que lhe parecessem pisados. Por isso, os óculos.