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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

TALVEZ EM BUSCA DO NEXO DE CAUSALIDADE NO UMBIGO

A ponte é estreita e extensa. Tão extensa, que não se vislumbra deste extremo de o extremo oposto, na outra vertente. E tão estreita, que quem sofrer de vertigens, nem o mínimo passo se atreverá a dar sobre ela. Mas urge atravessá-la, chegar ao lado de lá, vencer a persistência do tremor e do temor à queda vertical no vazio, muito em baixo, no fundo mais fundo da vida antes da morte.
Depois, uma vez ultrapassado o obstáculo da consciência―mais fundo que qualquer desfiladeiro, com ou sem ponte de corda a vencer―, tudo se tornará em planura, livre do enguiço das ribanceiras de impossível dimensionamento sem se tombar lá no buraco. Há que tentar, passo a passo, pisando as tábuas bem a meio, com as mãos sempre agarradas àquele corrimão de improviso, às guias laterais de corda entrançada em corda. Não serão muito convincentes, tais guias…
Alto aí, ouvem-se vozes na floresta, vem lá gente a correr, a correr, a correr, como se atrás dela, dessa gente, mais gente corresse, corresse, corresse, sem que se adivinhe para onde ou por quê.
“Hoje é quinta-feira, dia dez de Agosto”―, diz alguém, algures entre o arvoredo, perto da entrada na ponte, ou onde se amarram as cordas e com elas se fixa, quanto possível, toda a estrutura preênsil.
Está vento de mais para que a travessia se faça em segurança. E ainda há tempo de escolher outro processo de atravessar a ravina sem que o risco esteja presente. Afinal, na berma de lá, que mal se vê deste lado, nem tudo será tão deslumbrante e magnífico como a novidade da luz em olhos nascidos cegos. E no silêncio, que só os pássaros se atrevem a beliscar, ouve-se o cachoar das águas nos rochedos, apesar de longe daqui, a bem mais de trezentos metros medidos numa perpendicular imaginária desde a ponte às profundezas do abismo.
De súbito, há de novo agitação no matagal, há gente que corre numa confusão de gravetos quebrados. E há gente que grita, ouve-se agora, já muito perto dali, a voz vindo de cima para baixo, talvez de alguém empoleirado numa árvore, há tantas árvores à escolha, a escuridão é assustadora para quem estiver sobre a ponte, ou debaixo dela. E vê-se que as cordas estão velhas, corroídas. Não aguentarão esta carga até ao próximo Inverno. É preciso informar o responsável pelo parque do estado a que chegaram as cordas, antes que alguém vá por aí abaixo e se aleije a sério…
“Vê lá se te levantas. Hoje tens consulta no dentista, não te esqueças”.