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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

DO ANTES AO APÓS SE FICA O MEIO E A NUA EXACTIDÃO DO TEMPO EM CURSO

Vamos supor que esta rua não existe. Ou que de algum modo é possível ver daqui o tempo que a entendeu necessária e fez rasgar. Em vez dela, leiras de milho e hortaliça, nespereiras e tangerineiras, um regato a cirandar entre salgueiros, terra de cor negra e prenhe de água. Lá adiante, alguns sobreiros sob escolta de ciganos alapados à sombra deles. E a emoldurar a tela, onde predominaria o verde em todos os tons oferecidos pela paleta, o assombro do pinhal contra a encosta do monte que ali se acaba ou começa.
E porque o vale era vivo, justificar-se-á a recorrência de falar da passarada, desde melros a pardais e rolas, andorinhas em hora ciosa, e até de rouxinóis em nocturna melopeia. E dizer de coelhos bravos rente ao crepúsculo matinal, de rabilas no regato generoso, de cegonhas não alheias ao mito do serviço de transporte e entrega ao domicílio. E comentar quão dúbia terá sido a opção que transformou esse oásis no deserto hoje habitado por cimento e vidro, fumo de escapes e chinfrineira de buzinas e pneus, gentes de pedra sem água que as fure de tanto lhe dar.
Não existisse esta rua, e não existiria aquela passadeira onde a criança foi assassinada. Quem a assassinou? Outra criança, só um quase nada mais velha e com direito a matar gente por ter carro e carta.