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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sábado, 7 de julho de 2007

QUE DE OVOS TAMBÉM NASCE A MORTE E NÃO APENAS A VIDA

Coexistem, nestas ribanceiras, milhentas tocas de coelho, já que o saibro é solidário e garante uma mais ágil construção de luras sem fim, permitindo múltiplas hipóteses de fuga, em caso de ataque de furões e cobras. Serão, como se adivinhará, quilómetros sobre quilómetros de galerias escavadas à unha no baixo-ventre da montanha, interligadas – admite ele, por pessoal dedução –, qual subterfúgio de quem tome o umbigo como ponto de mira e direcção única.
Muito perto da entrada de cada toca, o prado é generoso em ofertas, com clara predominância de serralhas e panasco, não contando pois, senão em desesperada cedência ao esmeril da fome por medo da canzoada, com as hortas e com tudo o que lá se desperdiça, se espezinha, e por lá estiola e se perde, sem préstimo nem honra para ninguém. Tudo em tudo similar ao desperdício – pensa o viandante – feito com o tempo de vida posto ao dispor, desde o instantâneo equívoco da nascença, de quem não saiba merecê-lo.
Subindo sem grande convicção a encosta até ao cimo, a mata de pinho e sobro proporciona albergue e campo de manobras aos milhafres, os perenes maus da fita numa história sempre desonesta com os láparos. Tal e qual como nos meandros por onde divaga a existência humana, em que uns se vangloriam dos proventos alcançados só por terem asas, e outros, muitos mais, se maldizem pela carga dos pés de chumbo que ao chão os tem agarrados –, resmói entretanto, em voz de quase nulo dispêndio de saliva e ar, esse provável prossecutor de nuvens altas no chão, enquanto franze o sobrolho e vai mordiscando os lábios ao fingir compenetração na analogia.
E quando as chamas, nos tempos vindouros, dizimarem tudo em volta (arvoredo, silveirões e matagal vadio, feno e demais ervas forrageiras, pomares e hortas, ou até casas e casebres e palacetes com jardins de sebes de buxo), o que será feito dos desinquietos orelhudos de bigode intermitente e pompom de pêlo a fazer de rabo? Por certo não lhes bastará a previdência explícita na construção dos mil e um quilómetros de galerias subterrâneas, interligadas – readmite ele, o viandante, com o delido fingimento das sobrancelhas a arremedar aduelas por cima dos óculos –, qual desculpa de quem espreite o umbigo como ponto de mira e direcção única a incutir aos passos, de cá para lá e de lá para cá, fora e dentro.
Neste entretexto, se os coelhos chilreassem e pusessem ovos, de que cor viriam a ser?