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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

segunda-feira, 29 de junho de 2009

COM UMA NAIFA NOS DENTES E UM TEMÍVEL DESEJO DE CUMPRIR PROMESSAS FEITAS

Apeteceu-lhe, de repente, escrever um romance de amor. Convirá ter em conta que tudo nele assim era: sempre teimara em desenredar-se da incógnita criativa por apetites repentinos, surpreendentes ou com laivos de indecisão acerca do objectivo em mente a dissecar. Deve ter sido por isso que logo se meteu no carro e deixou no ar fumo e cheiro de borracha esturricada, embora a intenção do galope fosse apenas o hipermercado e as lojas circundantes estereotipadas, todas iguais na intrujice polvilhada a purpurina e néon. Como se na impessoalidade obsequiosa daquela gentinha de plástico fosse possível o prodígio de desencaixotar uma história de amor. E passaria, esta história, através do crivo electrónico das caixas registadoras, ou ver-se-ia obrigada ao desrespeito da atribuição de um preço e correspondentes impostos e sobretaxas a pagar à vista, com dinheiro vivo ou cartão?
Em primeiro lugar, antes do enredo, as personagens, ele e ela. Ou ele e ele, acompanhando os ventos dominantes? Ou ela e ela, atendendo ao mesmo vendaval agora ao ataque? Vão muito ambíguas as modas com que hoje se veste e pavoneia o mundo. Não seria mais eloquente despi-lo da cabeça aos pés e deixá-lo a tiritar até que a febre voltasse à normalidade? E o que é a normalidade? Onde mora ela? Quem dela tem procuração autenticada? Quem a avalia e avaliza? Alguém estará predisposto a encarnar, como voluntário, a representação de um dos dois papéis protagonistas num rimance de amor em fase de não voar além do apetite, ainda que repentista e já emulsionado por fumaça e cheiro de borracha esturricada no ar? É melhor que não.
Ora, enquanto se aguarda que alguma julieta ou algum romeu dêem sinais de vida e se digam predispostos a trepar a escada de corda até ao varandim da fama, congeminemos acerca da trama em que eles se farão tropeçar e cair, levantar e cair de novo, de novo levantar e voltar a tropeçar e tombar e por aí adiante, embora em tais lances seja mais curial suscitar a espontaneidade e esperar o inesperado. Para quê vir à boca de cena despertar a sonolência do público e contar-lhe aquilo que a seguir não verá porque já dorme e ressona? Nada se faça, pois, contra as normas da natureza. Deixe-se dormir quem durma e sonhe com a escrita, por exemplo, de um romance de amor à velha moda, a não exigir senão lenços e ranho a fungar para os sapatos, fazendo do polegar direito o melhor tampão para a venta direita e do esquerdo a mesma coisa para a esquerda.