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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sexta-feira, 7 de maio de 2010

DAS DIATRIBES QUE O CREPÚSCULO INSINUA À ACEITAÇÃO CONIVENTE

O frio, quando já adiante da quadra dita normal para que a tolerância lhe perdoe os aleijões do cieiro, tem-se mantido merecedor e ufano de quantos epítetos remordidos se lhe apliquem. Chega a ser de arrepios e bater de dentes, apesar do sol lisonjeiro lá nas alturas, a aragem que desde a amplidão do descampado continental vem chegando. Afinal a mesma que ao crepuscular o dia, sem pejo, há-de auspiciar a noite em tonalidade menor de bordões bem demarcados.
Entreabriu a janela e concluiu que estava frio de mais para se ter uma janela aberta. Portanto, tratou de a fechar. Ao fazê-lo, porém, reparou que saía de casa a nova vizinha do edifício em frente, no outro lado da rua, e de imediato verificou que nem estava assim tanto frio. Resolveu mesmo escancará-la e valer-se do conluio da cortina, desinquieta pelo arejo vespertino, para confrontar a visão real com a que a imaginação metediça nele teria inoculado e negaceado, desde há tantos dias como os que a lascívia reivindica a fim de se declarar guerra e avançar. “Um caso interessante”—, mediu nele, em voz alta, o agrimensor residente, ao fechar de vez, muito devagar, a janela. Pode ser que amanhã, quem sabe, se verifique a coincidência de abalar de casa à mesmíssima hora que a nova vizinha do edifício em frente.
O vento é macho, é bruto, não dá confiança a lisonjas interesseiras em que a mansidão seja mote ou referência. Nada o confunde com o trato dado ao sopro que mal se apreenda na copa domesticada do arvoredo das bermas. Isso nem é vento, é brisa, é fêmea em pose de assédio aos obséquios derramados pela sua corte em viagem. Escute-se-lhe o uivo e os saracoteios, ao vento a sério, consoante o que se lhe exponha sem convicção ou proveito. E aproveite-se o desarranjo do bater de portas e janelas durante a noite inteira, se mal apoiadas nas ombreiras, para pôr em dia a escrita mental das asneiras em perspectiva de emulsão a qualquer prazo. É que nem entreabrir a janela se recomenda, com um tempo destes, desenfreado e aos coices, quanto mais admitir sequer a coincidência de abalar de casa à mesmíssima hora que a nova vizinha do edifício em frente. Pode ser que amanhã, quem sabe, se verifique a melhoria das condições atmosféricas e se enxergue o ensejo de lançar ganchos sobre a amurada do arrojo ao consumar a abordagem.
No dia de hoje, o sol, que os espertos na matéria dos augúrios tinham anunciado, lá para a tarde, como franco e rijo, amanheceu taciturno e enroupado por nuvens de manifesta intransparência, levando a adiar quantos projectos e anseios dele dependessem para que a consecução de cada qual, unívoca ou a sugerir conluio de alguém, ganhasse corpo e logo fosse forma de evasão, recreio, construção. É um facto que nem sempre os palpites batem em conformidade, e de sobremaneira se em causa se colocar a opção entre o derrotismo de trazer o guarda-chuva na bagagem e a confiança de carregar qualquer guarda-sol, chapéu ou boné, a fim de dar descanso à moleirinha. E porque o acalento solar, a valer por outros, quem sabe, seria imprescindível aos propósitos lidos na tremulação dos olhos desde há duas semanas, pelo menos, aquelas roupagens nevoentas sobre a serra vinham uma vez mais alterar tudo o que tantas lucubrações levara a congeminar. É que já lá se aninham uns quinze dias sobre o dia em que pela primeira vez atentou na nova vizinha do edifício em frente ao sair de casa. E pena é que tanto frio o apoquentasse então como agora, para nem falar dos vendavais ou das cargas de água, que até da janela mal o deixam aproximar e espreitar a rua e quem nela passe. Pode ser que amanhã, quem sabe.