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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

domingo, 14 de maio de 2006

NESTE PENEDO PRANTADO À BORDA D'ÁGUA

Um indivíduo igualzinho a qualquer outro. De gabardina e chapéu, por ser Inverno. Ou de manga curta e chinelos, porque seja Verão. Ou ainda de bombazina e flanela, porque o Outono ou a Primavera ditem as regras do jogo. Observado num contexto citadino, onde a azáfama de uns e a lassidão de outros se complementam sem mossa, passaria despercebido. Apenas um banal pormenor o distanciava dos demais: caminhasse para onde caminhasse, só o conseguia fazer a olhar para trás. Sempre a olhar para trás. Como se alguém o perseguisse ou ele de trás esperasse alguém. E o engraçado é que nunca chocava com ninguém. Ou quase. Sempre havia aqueles que, só por maroteira, se punham a imitá-lo mas em sentido contrário, e lá acabavam eles a chocar com ele e não ele com eles. Mas isso eram casos esporádicos, se bem que com consequências caricatas e até dolorosas, por vezes.
Ninguém tinha ideia das razões que o conduziam. Qual o porquê da sua obstinação em nunca caminhar olhando em frente. E fosse a que horas fosse, de dia, de noite, madrugada em pleno voo, era vê-lo por aí, de rua em rua, a olhar para trás, sempre a olhar para trás.
Até que um dia desapareceu. Diziam alguns que ele se teria enfiado num bueiro do saneamento cuja tampa estaria fora do lugar. Outros, que esse alguém imaginário que o perseguiria teria enfim aparecido e o liquidara de vez. E outros, ainda, que uma mulher misteriosa, de beleza inalienável, o convencera mesmo a olhar em frente e assim o tornara invisível, escondendo-o sem o esconder ao torná-lo em tudo igual a qualquer outro.
Curioso, agora, é o facto de toda a gente, tentando decifrar onde na realidade se teria metido aquele já carismático personagem, passar o tempo todo a olhar para trás, sempre lá para trás, como se ele tivesse obrigatoriamente que surgir de trás e não de outra parte qualquer.
E não será por isso que, hoje ainda, temos um país inteirinho a olhar para trás?