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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

quarta-feira, 28 de junho de 2006

DAS LUZES E DAS SOMBRAS (TÉTRICAS) DA RIBALTA

Viu-se no espelho da montra, e não se achou nada mal. Há pequenos pormenores que por vezes nos escapam em casa, na hora de dar por acabado o conserto fisionómico a que todos os dias nos submetemos, antes que a rua nos reduza a dois pés andantes e se borrife no aspecto mostrado por cada um diante de cada qual ou de todos. E é de ter em atenção que o vidro das montras só é espelho, se outro mais fiel não estiver à mão. Talvez por isso costume ser tão generoso.
Hoje é um dia especial, entenda-se. Não haveria espelhos capazes de lhe enrugar as expectativas, de lhe ensombrar o brilho. E alguns fios brancos nas têmporas nunca foram drama que justificasse particular encenação. A benevolência falará mais forte, por encandeamento dos projectores oculares em recíproco, e aceitará o cheque possível que o tabelião temporal caucionou. Haverá que perceber de parte a parte, sem poesia mistificante, que na realidade já lá vão muitos anos.
Não lhe será difícil reconhecê-la. Há traços, indeléveis, que desde os primórdios da infância nos identificam. E esta rua, por esta hora, nem tem assim tanta gente. Muito triste seria que ela aparecesse, e se lhe dirigisse, e ele a não recebesse de braços abertos e com o mais jovial e espontâneo dos sorrisos de que haja registo nos anais da cidade.
Ora ali vem ela, sem dúvida. E que linda continua, a magana. Aquele eterno riso nos olhos, aquele mesmo trejeito meio trocista nos lábios entreabertos, aquele mesmo ondular macio de pantera antes do salto. É ela toda, inteirinha, ao lado desta velha de bengala…
"Se me dás licença, deixa que comece por te apresentar a minha neta".