http://photos1.blogger.com/blogger/1866/2796/1600/eliseu%20vicente.jpg
A minha foto
Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sábado, 17 de junho de 2006

DO ESPECTRO DA MODA AO ALÉM MUITO BEM ENGRAVATADO

Um senhor de cinzento entrou numa loja de artigos azuis e comprou uma gravata. E quando em casa entendeu por bem experimentá-la, a mulher, de traje roxo, disse-lhe que não, não estava bem. Seria contra a moral e os bons costumes pôr uma gravata que não fosse cinzenta. O senhor de cinzento saiu de casa e foi devolver a gravata azul.
Quando entrou numa loja de artigos cinzentos, viu lá um indivíduo de pele acastanhada e de castanho vestido. E deu conta também de que ele já tinha arrebatado a última gravata cinzenta que haveria na loja. E lá foi para casa com as mãos a abanar. A mulher, agora trajando de carmim, lembra-lhe que há mais lojas cinzentas na cidade. Ou então, que vista roupa de cor diferente, o verde ou o branco, e vá comprar a correspondente gravata a uma loja branca ou verde, é bem de ver. O senhor de cinzento despiu-se e virou-se para um branco-pérola, com chapéu e tudo. Só faltava a gravata.
Na loja dos artigos em branco, tornou a encontrar o sujeito castanho, agora de cinzento. E tornou a vê-lo comprar a última gravata branca de pérola que estaria lá. Irritado, regressou a casa e contou à mulher. E esta, com os olhos no espelho ao provar roupa amarela, sugere-lhe que se ponha de azul e vá comprar, outra vez, a gravata de tal cor. O senhor de cinzento, que depois virou para branco-pérola de chapéu e tudo, seguiu à risca a sugestão da mulher e saiu todo azul lá de casa, sem gravata nem chapéu.
Mas, logo à entrada da loja, cruzou-se com o homem castanho, depois cinzento, e que agora seguia de azul, dos sapatos à gravata. Que nem há dois minutos se vendera a última, lamenta-se-lhe o dono, com uma muito respeitosa e solícita vénia. Em desespero, saiu da loja a chorar, a caminho de casa. E vinha tão fora de si, que foi atropelado e morreu poucos dias depois.
A mulher, vestindo de negro da cabeça aos pés, foi falar com o senhor da agência funerária, aquele mesmo sujeito de pele acastanhada, hoje enfarpelado em verde-azeitona, mas sem gravata. E deu-lhe notícia, a chorosa viúva, de quais as derradeiras palavras do defunto, para que se respeitasse na íntegra o seu desejo acerca de como queria saber-se vestido no caixão. E tudo como ele dissera se respeitou: foi enterrado todo nu, com excepção da gravata em tom de verde-azeitona, a única que ele sabia existir em toda a cidade e que era dele, só dele. Toma.