http://photos1.blogger.com/blogger/1866/2796/1600/eliseu%20vicente.jpg
A minha foto
Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

segunda-feira, 19 de junho de 2006

LÁ NO OUTRO LADO DAQUELE MONTE

Dar-lhe uma flor. Ora aqui está uma ideia simpática: dar-lhe uma flor. Quantos anos se passaram sem que ele tivesse a atenção de lhe levar uma flor? As flores são femininas, por excelência. Até os cravos, seja qual for a cor deles. Ou os gladíolos, os crisântemos, os girassóis. São femininas, porque são ardentes, perfumosas, melindrosas ao mínimo toque, sensuais. E as flores com flores e entre flores se querem. Uma florista, precisa-se, com urgência. Dão-se alvíssaras.
“Ela já não mora aqui”―, diz-lhe a vizinha de baixo, que o conhece há muito tempo e se entristece por isso. “Mora lá no outro lado daquele monte”―, diz-lhe ainda, com uma lagrimazita a querer saltar por ver e ouvir a flor, aos berros, na mão dele. “Ela havia de gostar muito que lhe levasse lá essa flor”―, insiste, já com o lenço denunciante na mão a fingir que limpa os óculos.
“Fique a senhora com ela. Também a merece”―, diz ele, de olhos nas janelas de cima, onde, pelo aspecto de degradação, já não deve morar ninguém há alguns anos, bastantes anos. E retira-se, assobiando uma qualquer melodia de desconhecida proveniência naquele meio.
“Todos os anos, neste dia, lhe traz uma flor”―, comenta a vizinha de baixo para outra vizinha de perto, que se aproxima a dar fé.
“E porque é que ele não lha vai pôr lá na campa?”― pergunta então a que se chegou, picada pela curiosidade com o analgésico à vista.
“Não sei”―, responde a primeira. “Talvez para continuar convencido de que ela ainda por cá está. Mas vou lá eu, amanhã. Todos os anos lá vou levar-lhe a flor. E com esta vão quarenta”.