PASTORAL DAS CONSUMIÇÕES POR QUE PASSA QUEM PASTOREIA
Apesar do sol ainda estar distante de aflorar as cãs das mais remotas montanhas, a treva enfraquece e vai dando a vez aos pássaros. Rouxinóis ou melros, pintassilgos ou pardais, rolas ou piscos, ferreiros ou andorinhas, quantos mais, melhor, em prol da banda. As últimas estrelas também já dormitam. Vem aí a ronda de limpeza destapar o dia e pô-lo a brilhar.
E se os sons, quaisquer sons, por esta hora, são como astros a tremeluzir num firmamento de silêncio audível, os chocalhos do rebanho, agora mesmo posto em marcha até aos socalcos a estrumar como contrapartida, hão-de ser uma constelação, talvez. Ou até uma nebulosa, conforme a fome e a viabilidade de a matar. O pastor que o diga, sabichão de lei, distraído no ritual de preparar um cigarro, enquanto o cão dá ordens, ao substituí-lo. E o sol sem notícias, ou quase, neste entretanto em que a noite se prolonga dia adentro.
Já não cai uma gota de chuva haverá meses. E os pastos estão fracos, onde quer que haja balidos a depenicá-los sem grande convicção nem maiores proventos. Até por aqui, nas margens deste riacho, transformado em lixeira nocturna de avejões no engate. Assim sendo, urge a penitência de trepar e calcorrear as vertentes orientadas a norte, onde as sombras sempre são esperança de alguma humidade em conserva e da respectiva verdura a mordiscar, que não naqueles torresmos vulcânicos da panorâmica voltada a sul, poente ou nascente. Aí manda o rei flamejante, como bem se sabe, indiferente a princípios de conduta ou aberrações similares.
Reza uma lenda local que por tais ermos, penedias acima, se perdeu um dia uma jovem e bela pastora, quando procurava salvar da morte um borreguito mal acabado de nascer, cujos vagidos pareciam vir lá do cume. E ela foi subindo, subindo, subindo, imprudente, abandonando o rebanho na encosta, e por lá ficou nas alturas, prisioneira de algum ser demoníaco revestido de lã com lágrimas de cordeiro – crê-se –, ou apenas esquecida, nem mais, da rota de retorno a casa.
Ainda hoje, após tantos séculos de busca e de acréscimos da história, todo e qualquer pastor que nestes cumes se arrisque sonha encontrá-la e deitar-se com ela, possuí-la, arrebatá-la, fazê-la gritar de paixão. E há até quem alvitre que os de mais tenra idade, estando amarrados pelo viço ao vício, dela farão arremedo com uma ovelha ou outra.
No desvão da noite e porque ainda é jovem, se este pastor de hoje a não encontrar, como é de prever, é o que fará. E o cão que se cuide.
E se os sons, quaisquer sons, por esta hora, são como astros a tremeluzir num firmamento de silêncio audível, os chocalhos do rebanho, agora mesmo posto em marcha até aos socalcos a estrumar como contrapartida, hão-de ser uma constelação, talvez. Ou até uma nebulosa, conforme a fome e a viabilidade de a matar. O pastor que o diga, sabichão de lei, distraído no ritual de preparar um cigarro, enquanto o cão dá ordens, ao substituí-lo. E o sol sem notícias, ou quase, neste entretanto em que a noite se prolonga dia adentro.
Já não cai uma gota de chuva haverá meses. E os pastos estão fracos, onde quer que haja balidos a depenicá-los sem grande convicção nem maiores proventos. Até por aqui, nas margens deste riacho, transformado em lixeira nocturna de avejões no engate. Assim sendo, urge a penitência de trepar e calcorrear as vertentes orientadas a norte, onde as sombras sempre são esperança de alguma humidade em conserva e da respectiva verdura a mordiscar, que não naqueles torresmos vulcânicos da panorâmica voltada a sul, poente ou nascente. Aí manda o rei flamejante, como bem se sabe, indiferente a princípios de conduta ou aberrações similares.
Reza uma lenda local que por tais ermos, penedias acima, se perdeu um dia uma jovem e bela pastora, quando procurava salvar da morte um borreguito mal acabado de nascer, cujos vagidos pareciam vir lá do cume. E ela foi subindo, subindo, subindo, imprudente, abandonando o rebanho na encosta, e por lá ficou nas alturas, prisioneira de algum ser demoníaco revestido de lã com lágrimas de cordeiro – crê-se –, ou apenas esquecida, nem mais, da rota de retorno a casa.
Ainda hoje, após tantos séculos de busca e de acréscimos da história, todo e qualquer pastor que nestes cumes se arrisque sonha encontrá-la e deitar-se com ela, possuí-la, arrebatá-la, fazê-la gritar de paixão. E há até quem alvitre que os de mais tenra idade, estando amarrados pelo viço ao vício, dela farão arremedo com uma ovelha ou outra.
No desvão da noite e porque ainda é jovem, se este pastor de hoje a não encontrar, como é de prever, é o que fará. E o cão que se cuide.
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