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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

PORQUE OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS QUER À SOMBRA QUER AO LUAR

Todo aquele sarro agarrado à pele, apesar do cheiro palpável à distância, sempre o protege do frio. Para quê lavar-se? Não será bem melhor a sujeira acumulada, que tiritar à ordem do relento nocturno, ao vento e à chuva? E se o aroma engelhar o nariz de alguém, que se desvie ou afaste quem próximo de mais se encontre do sítio onde nem deveria estar.
Achou, por grande fortuna sua, dois belos caixotes de cartão canelado, que, uma vez desmanchados, proporcionarão uma cama como há muito não se lembra. O pior é se algum traste vadio, desses que por aí tanto abundam, lhe rouba o direito a dormir sossegado, e com o merecido conforto, por mercê dos dois cartões transformados em colchão.
Quanto ao local escolhido―ou possível, de acordo com o jogo sem regras de procura e oferta―, este recanto, por debaixo do viaduto, sempre se lhe afigurou barulhento em demasia para quem tenha o sono leve como ele, qual cata-vento às mãos de qualquer mínima aragem, qualquer traque de formiga. Ainda deambulou pelas margens do rio, a espiolhar os contrafortes da ponte, vigas sobre vigas gigantescas de betão maciço. Mas outros, muitos outros, antes dele por lá deambularam e lá se instalaram e ajeitaram em função do espaço, nenhum espaço sobrando para mais ninguém.
E se matasse um polícia? E se matasse um político? Ganharia cama, comida e roupa lavada para o resto da vida, que já não será longa, poupando-se a esta diária peregrinação em busca de um bueiro exclusivo onde se enroscar com segurança, sem mosquitos nem demais vagabundos a picar-lhe o tino.
Convirá que seja um político importante, no poder, deputado ou governante, com a imagem corroída por excesso de tempo nos plainos da face oculta da Lua a apascentar-se. E eis como se tornará viável transmutar em facto heróico uma atitude de pura sobrevivência. Metade do país, pelo menos, louvá-lo-á e erigir-lhe-á uma estátua equestre na memória.
“Sabes de alguém por aí que me arranje uma pistola?”