http://photos1.blogger.com/blogger/1866/2796/1600/eliseu%20vicente.jpg
A minha foto
Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

AGUADA GENÉTICA COMO CENÁRIO E MORAL DA HISTÓRIA COM SABONÁRIA À MEDIDA

De noite, quando há luar e o céu está límpido e as estrelas nítidas, o panorama, visto daqui, é de embevecer os próprios bichos. Nenhum outro, em lugar nenhum, se lhe compara. O vale é fértil, farto, fresco, abundante em nascentes e vegetação espontânea, além da manta de farrapos das leiras, à beira do rio. E a estrada, cá em cima, na berma do abismo, é generosa e permite a quem passe uma retrospectiva do paraíso, que na lenda bíblica se institui como ponto de partida, e não de chegada, do pecado criador do que por aí se vê.
Derreadas e seminuas, as árvores lembram velhas rameiras ainda no activo, se já descrentes de haver quem se ponha nelas. O apelo maior da terra em que se implantam, por mão de alguém, desde há sete ou mais décadas de paz incerta, nem se dirige já à raiz nela mergulhada, como é da norma, mas à curvatura do tronco ao peso dos anos, mas ao destrambelho da ramagem, quase no chão também.
Dizem que foi o vento, na meninice delas, que as não deixou crescer em direcção ao céu, aos astros, ao rasto dos pássaros nas nuvens, às nuvens sem pássaros nem rasto credível. E se foi o vento, foi o vento, ninguém espere contas prestadas pelo ar em marcha desde o ovo do mundo, posto nem se imagina onde e chocado não se sabe por quem ou por quê. Daí, a descrença de que alguém repare nelas, as árvores, putas velhas ainda em funções, seminuas, derreadas.
Há folhas, tantos milhares, caídas na estrada. Folhas já mortas. E no entanto verdes, umas, e outras castanhas e amarelas, podres. Hão-de transformar-se em húmus e raiz e seiva e caule e outra vez folhas, lá no alto, prontas a cair de novo. Assim se completará o ciclo vital que justifica haver folhas, aos milhares, caídas na estrada.
O despiste deu-se por volta das seis da manhã. Morreram quantos lá iam: quarenta e oito, não esquecendo o motorista.
Na missa por alma esteve toda a gente, nanja incréus e aparentados, e toda a gente chorou com a homilia. Que lindo é ter quem de nós diga tão bonitas coisas, tão tocantes frases. Até apetece morrer, Deus nos acuda ao tento e no-lo sacuda.