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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

terça-feira, 20 de novembro de 2007

DE COMO UM CISCO NUM OLHO NUNCA SERVE DE SUPORTE À MÓ DO TEMPO

Se este vento falasse, falaria castelhano. É dessas bandas que vem. E o que venha de tais bandas–, lá diz o rifão e a História confirma sobre exemplos mil–, não presta. Nem ventos nem casamentos. Além deste frio de rachar pedra e do frenesim a desgrenhar tudo (ervas, arvoredo, cãs, ideias), também há-de trazer no encalço a brusquidão das chuvadas temporãs, com a possível complementação de enxurradas, devastação e morte em conformidade. Por enquanto, porém, apenas se dão a ver e a ouvir ameaças nos redemoinhos de poeira, no rodopio das folhas, no silêncio enroscado dos pássaros algures.
Deveria ter trazido uma gabardina, um chapéu, um cachecol, um par de luvas. Mas não trouxe. Portanto, nada a fazer com a consciência daquilo de que não pode dispor no momento, a não ser aguentar a intempérie e fingir que nada lhe falta, que tudo decorre segundo as expectativas, tudo se desenvolve no sentido da efectivação de um projecto guardado desde o caos original, que o mesmo significará desde nascença ou um quase nada adiante desse primário tombo no planeta.
Há quantos anos, de facto, se lhe aferroara aquela paixão por uns olhos cor de água, esmeraldinos e cientes disso, e como é de regra traidores ao mínimo reflexo em outrem? Quantas as noites de estrelas contadas através do tecto, sem um bocejo a minorar o temor, a ânsia, a incerteza, e a ruindade de sonhar mais desperto que um morto contra a vontade antes do pulo no escuro? E em quantas manhãs sonhou ele já não acordar, mas ficar para sempre nessa espécie de fluído amniótico que envolve o subconsciente antes do parto na luz?
Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades– de acordo com o prescrito pelo Poeta–, e os olhos cor de água cederam o passo à torrente, perderam altivez e ganharam sentimento, tombando das nuvens e como regato tranquilo se mostrando entre margens previsíveis.
Viuvez não quer dizer condescendência, liberalidade, falta de tento ou de aprumo, desiquilíbrio, vazio. No entanto, e porque o viço se vale de manhas e máscaras onde as carências sejam de lógico alvitre, há sempre quem tente o assédio a muralhas abandonadas à sorte, passíveis de soçobrar ao menor sopro a favor do trambolhão no charco.
E se a água daqueles olhos, perante o espelho matinal, ainda os levou a ver-se com a mesma liquidez de há trinta ou mais anos, tornando a dependurá-los nas nuvens e a pretendê-los imunes à rarefacção atmosférica, por exemplo, ou às vertigens garantidas pela sucção da gravidade, ou a esse embaciamento gradual de que espelho algum negará a evidência?
Cumprir-lhe-á tão-só mudar de lentes.