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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

COM AVES NOCTÍVAGAS NÃO SE OUÇAM HISTÓRIAS ONDE MANDE A ESCURIDÃO

Um passarito na janela? Não, não pode ser. A tão altas horas da noite, no escuro, não é costume haver pássaros a debicar a própria imagem nas vidraças. Aliás, nem lá há reflexo algum, espreitando de fora para dentro, já que a pouca luz permitida segue em sentido contrário. E embora até lá haja migalhas de pão, no peitoril, a hora da refeição já passou.
O chilreio é parecido, todavia. Chega a lembrar o dos filhotes, no ninho, mal os pais voltam e tentam repartir, sem esquecer nenhum daqueles bicos escancarados, a sempre escassa papa conseguida, minhoca, varejeira ou gafanhoto.
Além do mais, nota-se pela aragem fria que imprime arrepios na pele do pescoço, a janela deve estar entreaberta desde que a frescura matinal tanto aconselhou. E assim terá estado todo o dia, a embater de quando em quando na ombreira e a dizer de quão mais prudente seria que a fechassem. A ladroagem, à luz do exemplo vindo dos píncaros, também tem mostrado os dentes e as garras a quem, por norma, duvide.
Outros barulhos em paralelo, entretanto, prestam uma ajuda preciosa na desmontagem do mistério. Acontecendo ao nível do soalho, os ditos barulhos, só uma alma, em toda a casa, os poderia produzir: o gato. É mesmo o bichano que brinca com uma bola de borracha, furada, e que, ao pular-lhe em cima e ao mordiscá-la, a faz chiar, gemer, chilrear.
A um cego, não de nascença, ainda lhe valerá a parca fortuna da memória. À cegueira congénita, só o imaginário.