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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

domingo, 13 de janeiro de 2008

NO LUSCO-FUSCO DO NÉON NÃO SERÁ MAIOR QUE AO SOL O PESO DA SOMBRA

Como rãs à tona de água, só com os olhos à vista, ei-las que palpam o pulso ao movimento na avenida. Ainda é cedo, é verdade. Mas não se lhes afigura grande coisa a noite de hoje. O mês a meio significará falta de ar na enormidade dos bolsos. E tem estado frio de mais para se sair à rua fora de horas. Não há então que dar corda a ilusões relativas à afluência de clientela em noites destas. A não ser algum polícia, com a farda na mala, ao abandonar o turno. Ou algum vigilante de fábrica, já aposentado, a caminho da rendição de quem o antecedeu na guarita e ora ressona de pé. Ou algum noitibó, de formato antigo, carregado de sarro e de tosse tabaqueira, indeciso acerca de qual das duas bermas tomar como referência no sentido a dar à marcha. Ou outro exemplar qualquer, entre os que por aí resmoneiam na amplidão da noite sem açaime nem trela, em busca de entulho onde enterrar as ideias e pôr termo aos desvarios que lhas fizeram parir. Seja qual for o espécime, ou espécimes, a rondar e a mergulhar no charco, hoje, que ninguém lhes gabe, a elas, a mercê de lhes servir de repasto ou de bueiro, não mais, para despejo da enxúndia em excesso.
O dia, de sobremodo nos preciosos minutos que pela manhã adiante jamais sobejem, faça sol ou chova, esteja vento ou calmaria, só serve para dormir e recuperar o equilíbrio, a temperança a ter em palavras e gestos, o tino nos passos à espera de vez. E o mais é retórica, é chão já pisado e deixado para trás, é conversa vã que em vão se derrama e nada constrói, é tempo esquecido de ter vida dentro, é treva acolhida como luz inversa a fingir que é sombra, é caliça de paredes salitrosas encravada nas costas ou a arder nos olhos.
Família, projectos, delírios juvenis, pensamentos positivos, fantasias de voar sem asas e atingir as nuvens? Já houve. Agora, à distância de mil e uma frustrações acumuladas como sapatas de lama a infernizar os pés, o que fazer senão isto mesmo, a uma hora destas, em lugares obscuros, e receber no acto e sem passar recibo nem fazer descontos em prol da reforma? Mas qual sindicato?
Como rãs amedrontadas, só com os olhos a boiar à superfície, ei-las a dar conta do que a rua lhes promete, hoje, entre negaças. Que nem se lhes afigura grande empresa, isso não. Está muito frio, não é? E com o mês a meio, é o costume: o vácuo no âmago das algibeiras fá-las tão vastas, que até as mãos por lá se perderão uma da outra, quando não das ataduras ao resto do corpo.
Quem sabe se, com a luz do sol, amanhã, o dia não nasce de vez.