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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

quinta-feira, 25 de maio de 2006

LUCUBRAÇÃO DE SOFÁ SOBRE A MEMÓRIA

Os condimentos habituais: noite, avenida à beira-rio, algum frio no ar. Duas putas, sem horário declarado nem sindicato, ao ataque. E ao fundo, por detrás do pano, uma ponta de cigarro a ser farol e cordel amarrado ao dedo como lembrete. Não raras vezes, um noitibó mais temerário arrisca-se a vir à boca de cena demandar produto e preço. E passa uma vez, passa outra, até que pega na deixa e prossegue o texto. E quando o carro se afasta, pela esquerda alta, o farol aviva-se como chama de isqueiro ao dar lume a outro. Será a melhor forma de controlar o tempo de cada serviço, esta unidade-cigarro. Nunca mais que três unidades, amor. Estamos entendidos?
Também se podem desenrolar cenas tristes, como as da bófia a saltar da plateia para o palco e a levar as protagonistas. A bófia tem destas coisas: de vez em quando, arma-se em séria e arreganha os dentes, só para que lá de cima a ouçam rosnar. Na negridão por detrás do pano, em tais alturas, nem um cigarro se acende. Não há farol que resista ao mau hálito da lei armada em dona das trevas. E quanto ao cordel, que se amanhe quem tiver dedos e língua com que bater umas pívias aos carcereiros.
Na noite a seguir, com a mesma avenida, ignara, por cenário, com o mesmo frio a tornar-se vapor em narinas tumefactas, sempre há-de continuar este auto em cartaz. Uma das artistas terá um olho roxo, que nenhuns óculos pretos de ceguinho esconderão da vista.
E à sombra do pano de fundo, enquanto relógio de ponto ou luz de presença, tanto faz, os cigarros hão-de suceder-se e interligar-se. Sem direito a pausa. Sem regra. Tão tenazes, que nem chuva indesejada. Bem vistas as coisas, um chulo também é gente.

(Caia o pano)