http://photos1.blogger.com/blogger/1866/2796/1600/eliseu%20vicente.jpg
A minha foto
Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

terça-feira, 23 de maio de 2006

TRÊS MODOS DE VER FINCADOS SOBRE UMA SÓ PANORÂMICA SUICIDÁRIA

«» «» «»
1- Senta-se, como é já seu hábito antigo, no mesmo banco de madeira junto ao rio. Quantas vezes, até hoje, não se sentou ele ali? E quantas mais se sentará? O rio, imponente, quase imóvel, pouco ou nada liga às inquietações de quem aqui se sente, e sinta, mais ou menos vezes. A missão dos rios, nesta vida, será outra: lavar os olhos e o tento de quem assim os espreite a passar.
Levanta-se agora, como se uma repentina decisão lhe desse vento às velas, e começa a encher os bolsos de pedras, muitas pedras, todas as pedras que encontra. Depois, olha em volta, mais para ver se não vê ninguém do que para ver se alguém o vê, e deixa-se cair do cais, qual estátua de ditador derrubada pelos ditadores inimigos. À superfície quase não ficaram indícios de que algo, ou alguém, ali se afundou.
«» «» «»
2- Sentas-te, como é teu costume de longa data, nesse velho banco ao pé do rio. Talvez nele te perguntes quantas não terão sido as vezes em que aí te sentaste, até hoje, e quantas não pensarás ainda sentar-te. O rio, caudaloso e amolengado, também pouco ou nada se inquietará com as preocupações de quem até junto dele se arraste. Cumpre-lhe apenas cogitar sobre as cogitações de quem, como tu, desse banco se limite a contemplá-lo.
De súbito, como se te tivesse sacudido algo importante de que já te esqueceras, atiras-te a atascar os bolsos todos com todas as pedras por aí a jeito. E olhas em torno de ti, neste entretanto, e não parece que tenhas visto quem quer que seja, ou que quem quer que seja te tenha visto. Por fim, imitando um tronco precipitado da encosta por lenhadores, mergulhas de uma só vez, quase não deixando sinais na película das águas.
«» «» «»
3- Sento-me, como sempre fiz desde que me conheço, num banco tão velho como eu, perto do rio. Não sei já quantas vezes aqui me sentei, como hoje. Nem sei se cá me tornarei a sentar muitas mais. O que sei é que o rio, poderoso e manso, pouco ou nada se incomodará em desentretecer as questões que me proponha. Basta-lhe ir deslizando, indiferente, e deixar-se ver por quem queira vê-lo a passar. Seja eu, seja quem for.
E se eu aproveitasse estas pedras todas para meter nos bolsos? E se eu, de uma vez por todas, me livrasse de mim mesmo e de todas as tropelias que me tenho feito? Ninguém à vista? Até mais ver!...