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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

terça-feira, 16 de maio de 2006

CRÓNICA REPENTISTA DE DOIS VELHOS E MAIS UM

Era um desses velhos cuja rabugem, de tão velha, poderá ter nascido com ele. Que ninguém lhe dirigisse a palavra, o seguisse na rua, ou sequer o olhasse, perto ou longe. Também ele não olhava ninguém, não seguia ninguém, e a ninguém dirigia a palavra. Não precisava de quem quer que fosse –, ouvia-se-lhe dizer, uma vez por outra, a falar sozinho.
Numa casa ao lado, igual à daquele, morava outro velho. E eram tão parecidos, que quem não soubesse os diria irmãos gémeos. A única diferença, e não pequena, estava em que este era muito simpático, cumprimentava toda a gente, toda a gente dele gostava e o tratava com respeito.
Era um problema, todavia, distingui-los a certa distância. Quem é que sabia qual é que era qual o que lá vinha ao fundo? Como não cair na armadilha de fazer uma saudação e receber um esgar de vómito em resposta, ou de nem reparar num sorriso escancarado, que depois esmoreceria sem retribuição nem entendimento?
Jamais se teriam encontrado frente a frente. Faziam-se até apostas acerca de qual seria a reacção de cada um deles, se tal encontro se desse. E havia grupos constituídos com um único objectivo: estudar o melhor processo de os pôr de olhos nos olhos, como se se vissem ao espelho, de tão parecidos que eram.
Um dia, sem que se soubesse a causa, o rabugento morreu. E o único que o acompanhou até ao cemitério foi o velho vizinho do lado. Nesse dia, não sorria. Dizem até que chorava. E ficou tão enrabujado, que se mudou para a casa do outro.
Não ficou vaga muito tempo a casa dele: mudou-se para lá um outro velho, que aparenta ser simpático. E já se fazem apostas.