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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

segunda-feira, 29 de maio de 2006

SAGA DE UMA MOTORETA COM UM VELHO MOTOR A DOIS TEMPOS

Saiu de casa, como sempre, às sete e um quarto. Ela, que se levantara para lhe preparar o café, ter-se-ia deitado outra vez, por mais alguns minutos. Ou será que não?
Quando chegou ao cimo do monte, sobranceiro à aldeia, deu a volta à motoreta, desligou-lhe o motor, e tornou a descer toda a ladeira, em ponto morto, sem bulir um traque de motor já gasto. E estando já cá em baixo, largou a mota num canto, aproximou-se de casa, que nem assaltante a urdir o golpe, passou adiante e foi esconder-se entre os salgueiros, junto ao ribeirito que lhe delimitava o quintal. A alguns metros, havia um simulacro de ponte – um tronco de árvore, alisado à unha, com serra e enxó, e pelos pés mal calçados de quatro ou cinco gerações a eito –, que o ligaria à outra margem. Ou que ligará a outra margem à de cá, o que não vale o mesmo, conforme depois se há-de concluir pelos eventos em agenda mental, por enquanto.
Minutos depois, aí uns dez ou onze, viu um fulano, que não conhecia, agachado, a vir até ao exacto lugar onde ele se tinha escondido, e a esconder-se ali também. O sujeito, ao descobrir-se a descoberto em flagrante, não se quis dar por achado, como soe dizer-se. E, decerto nem imaginando com quem é que estaria a falar, atreveu-se inclusive a perguntar-lhe se ele também ali estava para ver o espectáculo.
“Claro”, respondeu-lhe, procuranto não se denunciar através da fala, já que através dos olhos seria muito difícil, para não dizer impossível e sempre doloroso.
“Falta um quarto de hora”, diz o outro, alardeando toda a experiência anterior e um perfeito conhecimento dos passes e do enredo da peça em representação naquele palco.
Quinze minutos mais tarde, pela ponte, apareceu um indivíduo – este sim, seu conhecido –, que ao chegar ao pátio da casa tossiu alto e se foi estender na relva, ao lado do riacho, a não mais de cinco ou seis metros do improviso de mirante onde os dois se empertigavam para não perder pitada.
Breves segundos após, alva, leve, esvoaçante, só com uma camisa de dormir quase transparente e descalça, apareceu ela a saltitar e logo a enrolar-se ao lado do amante, e por debaixo dele, e por cima, naquele relvado de espontânea macieza, tão ao jeito de qualquer leito nupcial em histórias de amor a metro.
Já eles iriam, os amantes, a atingir os alicerces da Via Láctea, quando um galho seco tomou a palavra, ao sentir-se pisado por um dos dois “espreitas” dos salgueiros. Como descrever o quadro seguinte? Com que palavras narrar a aflição da mulher, seminua, entre o amante e o marido? E como dar notícia do desespero deste, perante a traição da mulher, ali, a cru, com o patrão dele? E como justificar o desempenho do terceiro macho presente, que, num frenesim, de olhos revirados, em êxtase, nem se apercebendo destas últimas cenas de revelação e estupor, continuava a masturbar-se à frente de tudo e de todos, até à explosão do orgasmo que fez transbordar o ribeiro?
E foi ele mesmo o único a obter prazer concreto com esta história, para além do autor, este vosso criado.
(Escrito em Guiães, aos 28 de Maio de 2006)