http://photos1.blogger.com/blogger/1866/2796/1600/eliseu%20vicente.jpg
A minha foto
Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

terça-feira, 30 de maio de 2006

VARIAÇÕES EM RÉ PARA TUBA E OBOÉ

Apenas disse “já venho”, ao levantar-se da mesa.“Vou até ali ao café”, complementou, ao abrir a porta e sair. Um ano depois ainda não tinha regressado a casa. Dez anos mais tarde, nada de nada se sabia. Quinze anos recontados, e tudo igualzinho em notícias. Ao fim de vinte anos, que hoje se assinalam, alguém bate à porta.
“És capaz de me dizer por onde andaste?”– pergunta ele, de avental e esfregona, alagado em suor, como se tivesse acabado de limpar a casa toda desde o soalho ao tecto.
“Eu não te disse que ia até ali ao café?”– responde ela, empurrando a porta e entrando, de cigarro na boca e jornal debaixo do braço.
Serve-se de uma bebida, e só então se dá conta da ambiência da sala, festiva mas discreta: as jarras com arranjos de flores ainda apelativas, umas tantas serpentinas do candelabro central até aos quatro cantos, música tropical a mal se ouvir, a mesa posta para três pessoas.
“Estamos à espera de alguém para jantar?” – pergunta ela, sorvendo um gole e repuxando uma fumaça de lá do fundo, para depois a lançar contra o espelho emoldurado, onde se vê reflectida e se admira entre a nuvem, qual deusa triunfante sobre a bocarra do vulcão, com um ar jactante, presumido, macho.
“Não me digas que te esqueceste de que o nosso filho faz hoje dezoito anos”, diz-lhe ele, de mãos na cinta, à moda das varinas a regatear o produto exposto na canastra.