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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

MORTE NA RUA ONDE SE GARANTE QUE SERÃO SETE A IGUALAR UMA

Com o queixo a repousar sobre as mãos, parece adormecido e em paz. Mas não está. Ou talvez esteja em paz, apenas, mas nunca a dormir. Está um gato morto no passeio em frente da porta de casa. O cão acerca-se dele e cheira-o, quase chega a lambê-lo, não lhe ruge. A morte, como se prova, embora mal tenha acabado de bater a porta ao sair, também é passível de reconhecimento pelo cheiro. A que cheirará?
Atropelado, decerto, ao atravessar a rua durante a noite, veio a soçobrar aqui, fingindo-se adormecido, por pudor, para não dar tanto nas vistas. É crença ancestral que os gatos têm sete vidas, e este teria uma, pelo menos. Perdeu-a ao passar de lá para cá, à aventura, chamado por alguma fêmea em fase mais doidivanas. Como se se caricaturasse a si própria, a vida tem destas coisas: morrem uns e nascem outros, numa sequência imperfeita, porque malevolente e injusta para alguns, porque benfazeja para tantos que nem lhe saberão merecer a sombra estendida a seus pés, no chão.
De súbito, no silêncio possível em qualquer tarde a meio, um uivo de mulher, lancinante, histérico, possesso. Foi a dona do bicho ao dar com ele da janela, no passeio em frente da porta de casa, como se estivesse a dormir, tranquilo, de focinho em repouso sobre as patas dianteiras. Morto, porém, e alheio aos gritos rasgados por cima dele.
Tão grande foi o susto apanhado com a gritaria da velha, que o cachorro, antes que alguém o acusasse de ter maltratado o bichano, alçou a perna e mijou-lhe em cima, seguindo depois a viagem quotidiana, com o dono, àquela hora.