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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

domingo, 12 de novembro de 2006

ASSIM O FOGO SE PROPAGUE E APAGUE O VERDE DO MAPA

Como se esperasse alguém, com o dono lá dentro, sentado ao volante, todos os dias aquele carro aqui se encontra de motor desligado, estacionado de maneira idêntica, no mesmo lugar, na berma da rua.
A rua, recente na abertura ao trânsito, ainda sem casas. E em torno dela, o cenário costumeiro numa qualquer urbanização aquém promessas de compra e venda sob garrote banqueiro de caracteres microscópicos: vertentes que parecem cortadas à faca, descobrindo estratos milenares de seixos a entremear barro vermelhão petrificado há muitos milénios; quarteirões quadrangulares, ainda em bruto ou delimitados por vedações metálicas e coloridos cartazes promotores, onde parece real a virtualidade perspectivada ao envenenar com mel a tentação; algumas dezenas de gruas já em laboração lá muito por cima do formigueiro, mais negro e de leste que branco, e o castigo sonoro e pulsante dos compressores e seus acessórios, quais metralhadoras pacíficas; camiões-cisterna com betão líquido em contínuas idas e voltas, e outros camiões encarregados de remover, não interessa muito para onde, carradas e carradas de terra e calhaus informes; capciosos espaços relvados, por conta da conveniência de enverdecer os projectos e os tornar mais apetecíveis, cercando os gabinetes de onde se espreitam hipotéticos clientes a imobilizar e sugar na teia; e tudo o que, por sugestão comilona, se sabe miscível na mesma calda onde se cozinhará quem cometa a temeridade de se pretender vivo entre viventes, mortos ou não.
Outros promontórios, outras colinas, e outros vales ali perto, semeados de pinhal e mato, também em breve serão palco de urbanizações similares, assim que os pirómanos contratados entrarem em acção e puserem a nu tanto terreno a escalavrar através de novos projectos avassaladores, novas perspectivas de encandear olhos atentos, novos cartazes envenenados por açúcar bancário, e novas presas emboscadas desde gabinetes averdungados pela relva em volta.
E aquele carro ali está, todos os dias, estacionado de maneira idêntica e no mesmo lugar, na berma da rua ainda sem casas nem vícios, com o dono lá dentro, instalado ao volante, como se esperasse alguém.