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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

domingo, 14 de janeiro de 2007

RESMUNGO AO CREPÚSCULO MATINAL DE MAIS UM DOMINGO SEM MISSA

Acendeu um cigarro. E se fosse o último? E se este só fosse o derradeiro desejo concedido a um condenado antes de subir ao patíbulo? Apenas um cigarro – sussurraria ao carrasco, ao baixar a cabeça para que a corda tomasse o seu lugar à mesa e a função de acabar começasse. O tabaco corrói e mata. Está mais que provado, comprovado e propagangandeado por aí, em parangonas só comparáveis em histeria àquelas com que os mentores da guerra se mentem, mentindo a outrem, para justificar a metralha. No caso em causa, o do cigarro, algoz e vítima a executar confundir-se-ão numa única silhueta, com a morte prometida a ambos ao mesmo tempo.
Este vício ancestral de viver de noite, deixando à luz do dia a reposição do equilíbrio anímico, e físico, através das horas de sono o mais possível (nunca de mais), incentiva a semeadura de outros vícios solitários, como seja este, por mais próximo exemplo, de escrever– espécie de masturbação sem orgasmo inteligível, porque sempre insatisfeita, mas que dá um prazer infinito enquanto dura e até ajuda as obras de restauro ou de replantação das ideias. Ou este outro, o de fumar horas a fio, como se com o fumo se levitasse por cima dos passos de mais penosa investida. Ou esse de deambular a esmo, optando por ruas nunca antes pigarreadas, becos de negridão a agarrar-se aos pés, gavetos sem nome nem enredo histórico que mereça anais. Ou ainda o de espreitar a face oculta da vida pela lente de qualquer fundo de copo sorvido até ao último esgar.
Afinal, não durou muito o cigarro. Agora, derramada a ânsia para a cave de desperdícios sem préstimo antes e depois, jaz espalmado no pó sob o sapato, prevenindo o reacendimento noutras bocas, noutros matagais, noutros infernos de lume a consumir a metro.
Ao pó o que do pó nasceu, com excepção do fumo que lá vai, nuvens acima, direitinho ao céu. A não ser que chova.