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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

ASSALTO DA NOSTALGIA À PROPENSÃO PARA A MARESIA E AFINS

Por ora, neste local, o mar está manso e morno. Até apetece entrar nele e nele ficar muito quieto, junto à orla, sentado na areia do fundo, com a água ao nível do pescoço. Tudo metido lá dentro, em banho-maria, menos os olhos, a boca, o nariz, as orelhas. Não parece haver perigo, por aqui, de ondulação tão irregular que de repente atraiçoe quem a um tal remanso se arrisque. E se se desprevenir a inconveniência de vedar os olhos, com a mornidão e a mansidão abraçadas em conluio, e adormecer, talvez o perigo maior nem vá além do transtorno de alguma água engolida como despertador, sempre atenta à demasia de sono a hora imprópria. Mesmo que salgada e não apenas por excesso de sal na temperança.
Estão ambos deitados, aí a meia distância entre as dunas e a linha que a espuma desenha e apaga, incerta, mais acima ou mais abaixo. Cada qual estiraçado em sua toalha, à vontade, de bruços. E de bruços, porque estão nus, é quase certo. Hoje ainda, nem sempre a nudez consegue despir por completo o preconceito em relação a si própria, recatando-se com aquele trapo por cá deixado como herança pelos nossos tetravós do éden. Aqui, o recato é posicional: este estar de borco a lavrar o vácuo, sendo os olhos um motor, fora de bordo, de ignição involuntária. Quando não, vai de manivela.
Apesar de tudo, foi mesmo ela que há minutos, nua de mais para que a sombra caída no areal não enrubescesse, ousou o ensaio, breve, de se sentar entre a farrapada de espuma, não se arriscando senão à beirinha. E não teria ido só verter algo, porque a fisiologia também tem direitos consignados desde o corte do cordão umbilical e até antes, sob a gasta justificação de experimentar a temperatura da água e confirmar a subida ontem prevista para hoje?
Esta é uma daquelas praias que à vista desarmada, de manhã cedo, parecem desertas, inexploradas. Sem a obrigatoriedade da pústula de olhos rapaces como praga. Sem fim, sem nome e sem fama. De todo fora do mapa. Isso não bastará para que não se mantenham ambos, por precaução ou pudor tardio de clandestina erupção, ele e ela, sempre de bruços, lado a lado, dando azo a ânsias agrícolas na leira arenosa.
E é de novo ela, sempre ela, que agora se volta e faz com que o azul cerúleo aparente toldar-se, escurecer, antecipar o véu do crepúsculo algumas horas. Os bicos das mamas, pujantes, temíveis, apontam o rasto dos aviões nas alturas. E as curvas restantes desafiam as ondas e ganham o repto: estas, alheias à brisa que nelas incute arrepios, mal estremecem. Mas terão mais vida que as que o mar empurra, em jeito indolente, pelo areal acima. E ele permanece, voltado para baixo, de charrua pronta a rasgar o chão.
Espojado entre as ervas, no cimo das dunas, qual caricatura de olhos implacáveis a esgadanhar a eito o que esteja à vista, um ancião desdentado, de chapéu e bengala e suspensórios de elástico, finge masturbar-se com a mão canhota, já que a outra, numa tremedeira, segura os binóculos.