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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

CRÓNICA DE NOVA MORTE ANUNCIADA EM VERSÃO MÍNIMA

Nenhum dos amigos mais de dentro. Nenhum dos colegas de trabalho com quem por força das contingências profissionais mais convivesse. Nem a mulher, companheira na cama fiel da fruição de quantas noites de sono ainda o embalem, todas ou quase. Nem mesmo as amantes, duas ou três, de remota data ou de alternâncias tão recentes como a incógnita de as trazer saciadas, ou tão-só acomodadas. E nem o mais anónimo dos figurantes obrigados ao palco desta indestrinçável tramóia a que se chama, com alguma pompa para ofuscação de nódoas, vida comum. Ninguém, por delicadeza, se dera ao cuidado de o ouvir. Ninguém se apercebera do recado inscrito nos olhos, primeiro, bem como na fuga ao assombro de outros olhos em amistosa auscultação, depois, e, por fim, nas palavras.
“Eu irei a enterrar no próximo sábado”– dissera ele, com um sorriso sem remetente nem endereço certo, ao chegar a casa, vindo do emprego, e ao chegar ao emprego, vindo de casa; ao sentar-se à mesa, no café, entre crónicos comensais da bola e de gado fêmeo a marcar de ferro em brasa; e ao dar um pulo, numa única jornada, a cada um dos diversos covis nocturnos onde o nome dele era senha de acesso e consumo.
Que ninguém dissesse que ele não tinha dito, de forma clara e transparente, que pensamentos o mantinham. Que ninguém ousasse o subterfúgio de se proclamar inocente em relação à notícia posta por aí a esvoaçar sem que asas houvesse. E que ninguém viesse a justificar a falta sob caução de uma pontual ignorância, quando até o coveiro fora avisado da conveniência de afiar a ferramenta, considerando a actual falta de chuva e a pressuponível rijura dos torrões a desfazer.
Hoje, sexta-feira, dia aziago para quem em tais manhas gaste o tento, não faltarão vinte e quatro horas para que o desígnio se faça cumprir em conformidade. E ele aí está, no esquife, já emalado, bem composto e bem afogado em flores sem aroma nem borboletas a fazer pela vida.
Estando ele a olhar lá por detrás das pálpebras não se sabe o quê, o que pensará fazer, se algum dos inúmeros notificados faltar ao cortejo desde há dias anunciado para amanhã?