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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

VIAGEM CURVILÍNEA OU DE IDA E VOLTA ATÉ MUITO PERTO DA ENTRADA

Os olhos, pregados lá em cima, no tecto invisível. Cá em baixo, como que deitadas de bruços, as mãos parecem entreter-se a experimentar a consistência das gelhas dos lençóis, já que não as vêem. Sentem, no entanto, a humidade, o nem calor nem frio, o desarrumo da memória de outras gelhas e outras noites, outros fantasmas borrados de medo à escuridão. E as mãos são apenas o que são: tentáculos à procura de chão a explorar, que bem poderá ser outras mãos em busca. E depois das mãos, o resto. Onde estão elas? Ainda há pouco aí estavam, ágeis, encaprichadas, fantasiosas, dadas à premência de dar tudo e tudo ter em troca. Este silêncio, todavia, é esclarecedor. Terão ido de viagem, a caminho de lado algum, cortando à direita ou à esquerda, tanto faz como fez ou fará. Pode ser que voltem. Foi a sonolência destas mãos sem vista, ou destes olhos agarrados ao tecto, que lhes deu coragem e fez levantar, às mãos outras, tão cedo da cama?
Os sons da rua, motores e buzinas, trespassam o negrume dos estores caídos até à mínima risca de luz clandestina. Só eles dão notícia, pois, de que a rua existe, a rua está lá, atenta a quem chega, a quem entra e fica, a quem segue em frente sem distrair a marcha. Pesada pena, a de ouvir sem ver o baixo contínuo em que a rua se intromete ao transpor a cerca, dentro ou fora de horas, conforme lhe dê. E dá-lhe com gana e não raras vezes, pois dá, baralhando as voltas a quem planos teça sem se ater com a autenticidade dos bilros em esgrima. Mas onde estão as mãos que aqui se negaceavam e rendiam entre gelhas húmidas, como se tanto escuro em torno as apavorasse e pusesse em fuga?
Eis a explicação num novo som que se escuta e se sobrepõe ou alia ao oferecido pela rua: com estardalhaço de intestinas discorrências, ouça lá quem ouvir, de pé, estendido ou de cócoras, sempre se dispensará a formalidade das apresentações quando, em plena descarga, se impõe à tribuna o choro apaziguador de um autoclismo.