MAL EMPRENHADA IDEIA DE HISTÓRIA A DESENTERRAR ENTRE PÁGINAS
Ela estava grávida, mas ainda só por dentro. E ele, que não se sabe se já saberia disso, tinha o ar tranquilo de quem se sente saciado e de pazes feitas consigo, sem exigir mais da vida que o trivial consumo de cada dia em seu tempo justo a rasgar do calendário. E como se dessa maneira, enfim, eles se tivessem deixado adormecer, estavam nus e abraçados.
Não de todo fora do mundo, ei-la, a casa; ou aquilo que de tal jeito, nas cercanias sem outras, assim se poderá chamar. Uma barraca desconexa, de toscas ripas tão cinzentas como tudo o que já nem tenha idade confirmável, com cobertura de latões repregados após cada vendaval, quanto bastante fixada sobre a mais alta das dunas. Logo, nenhuma das comodidades hoje ditas indispensáveis nos meios civilizados: luz eléctrica, água corrente, saneamento. Ou seja a imensidão dos dias reduzida à da luz solar, tal e qual como se passava no tempo das trevas originais; a água potável, ou possível, encarreirada através de um obstinado mas nunca aconselhável processo de garrafões de plástico amaldiçoados à unha; e as filosóficas descargas do alvorecer da tripa sumidas sem apelo areais adentro ou, com o aval da maré-cheia, na lisura das vagas em fuga contínua e contínuo retorno ao útero materno.
De borco e encostado ao casebre, um barco cuja memória de navegar lá se dissolveu na lonjura de um tempo nem sequer vivido. E enquanto um farrapo informe de rede arremedava a porta durante a intriga do dia contra o mosquedo, de noite era apenas e só um taipal meio desconjuntado que impedia o acesso a visitantes não desejados. E pelo único janelo, lateral, poderia ver-se quem se deslocasse praia adiante, não fossem as vidraças escaqueiradas e depois substituídas por tábuas a repregar também após cada assalto.
Viveu gente aqui. Aqui se fez gente. Gente aqui morreu. E por aqui se encontrou entretanto gente enterrada, ninguém sabe como nem quando, porquê ou por quem.
Não de todo fora do mundo, ei-la, a casa; ou aquilo que de tal jeito, nas cercanias sem outras, assim se poderá chamar. Uma barraca desconexa, de toscas ripas tão cinzentas como tudo o que já nem tenha idade confirmável, com cobertura de latões repregados após cada vendaval, quanto bastante fixada sobre a mais alta das dunas. Logo, nenhuma das comodidades hoje ditas indispensáveis nos meios civilizados: luz eléctrica, água corrente, saneamento. Ou seja a imensidão dos dias reduzida à da luz solar, tal e qual como se passava no tempo das trevas originais; a água potável, ou possível, encarreirada através de um obstinado mas nunca aconselhável processo de garrafões de plástico amaldiçoados à unha; e as filosóficas descargas do alvorecer da tripa sumidas sem apelo areais adentro ou, com o aval da maré-cheia, na lisura das vagas em fuga contínua e contínuo retorno ao útero materno.
De borco e encostado ao casebre, um barco cuja memória de navegar lá se dissolveu na lonjura de um tempo nem sequer vivido. E enquanto um farrapo informe de rede arremedava a porta durante a intriga do dia contra o mosquedo, de noite era apenas e só um taipal meio desconjuntado que impedia o acesso a visitantes não desejados. E pelo único janelo, lateral, poderia ver-se quem se deslocasse praia adiante, não fossem as vidraças escaqueiradas e depois substituídas por tábuas a repregar também após cada assalto.
Viveu gente aqui. Aqui se fez gente. Gente aqui morreu. E por aqui se encontrou entretanto gente enterrada, ninguém sabe como nem quando, porquê ou por quem.
Como se pode verificar, o chão da casa é de areia semelhante àquela que por aí se vê e pisa, formando dunas ou em declive aligeirado até ao mar. E cama, se cama houvesse, também de areia seria. Quanto à casa em si, no exemplo em causa, não é senão esta estrutura de madeira antiquíssima, pobre e podre, que delimitou, separou e cobriu um pedaço de praia para que nele vivesse gente, sem ser ao relento, e nele morresse.
Daí, não estando o solo remexido, não se impondo o mínimo distúrbio de pegadas no interior, recentes ou antigas, não se distinguindo quaisquer pormenores de violência física sobre nenhum deles, não sobressaindo a causa de morte no exame sobre a autópsia de cada qual, à luz de que dados científicos indesmentíveis se explicaria a precisão da fenomenologia de dois corpos enterrados na areia, dentro de casa, a quase dois metros de profundidade, nus e abraçados, como se num tão íntimo momento, talvez de cansaço pelo esforço levado até à saciedade, eles se tivessem deixado adormecer?
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