http://photos1.blogger.com/blogger/1866/2796/1600/eliseu%20vicente.jpg
A minha foto
Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A HORA IMPRÓPRIA NUNCA SE MISTUREM OS PASSOS DE IR À ADEGA E AO POMAR

Talvez os pêssegos. Ou o melão. Àquelas horas, tardias, nunca se dirá recomendável ou sequer passível de suposição devorar fruta fresca e, ao mesmo tempo, beber vinho. Por isso, a repentina inadiabilidade de apontar o carro para a primeira vereda que aparecesse à direita, fora da estrada, pôr as calças abaixo atrás da primeira moita ultrapassada em corrida de coxo a nem ele saber de que perna, e deixar extravasar a alma em jorro de infinito alívio, louvando de si mesmo o esforço e a graça de ali ter conseguido aninhar-se no momento exacto. Mais uns segundos de contorção, e seria o desastre, uma bomba de impensável retumbância nos roteiros de viagem através da natureza.
Ainda por detrás da moita, relembra agora, uma vez recauchutado o domínio sobre os próprios actos, a doidice de criança, em que saía de casa e subia o monte vizinho só para cagar ao ar livre e limpar o dito a uma pedra. Malhas que o império tece, reaperta as calças e enriquece a noite em volta com um peido, um peidito de somenos, não mais que um disparo de pressão de ar aos pardais. Todo o poeta em laboração por si adentro, o que significa mergulhado em lucubração criativa, se peida assim. Não saiu molho, porém.
Não é também de grande conselho este local onde pôde alijar a carga a mais, perto da berma da estrada e logo a seguir a uma curva de não simpática graduação, em ribanceira ascendente para a esquerda e ao invés para o outro lado, no meio de um pinhal sem nome. E a atestar o perigo, ouve-se um súbito relinchar de pneus, lá em cima, na curva da estrada, e há qualquer coisa a vir pelo ar, parece uma mala de cor escura, que só por um cisco se não despenha em cima dele. Se aquela massa bruta lhe acertasse, matava-o. Instantes depois, com relinchos similares em timbre e em pressa, passam três carros da polícia atrás do primeiro, talvez de ladroagem a fazer serão.
A mala, grande, seja qual for o recheio, está pesada. Levá-la dali é um risco. Mas não a levar será uma estupidez. O carro dele, parado entre o matagal da azinhaga, não está à vista de quem passe em velocidade na estrada. Portanto, se o fizer depressa mas com método, o melhor a fazer é sumir-se, sem olhar para trás, em sentido contrário ao que os levou, ladrões e predadores fardados ou à paisana. Quem sabe se não se ocultará aqui, nesta mala, a já desesperada resolução de problemas com mais anos de vida que os dele? Só será aberta, ou arrombada, na segurança de casa, sem testemunhas.
Até poderia ser uma bomba de impensável retumbância nos roteiros de viagem através da natureza. E era. Só lhe rebentou nas ventas, sem testemunhas, dentro de casa.