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CONTADOR DE HISTÓRIAS E HISTORIETAS E PETAS E TRETAS DE ENTRETER INSÓNIAS A GRANEL OU POR ATACADO

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

PORQUE O MÉRITO DA SUBIDA AO CÉU IMPÕE DEGRAUS E CANSEIRA

Toda a comissão promotora da homenagem reunirá, com carácter de urgência, logo à noitinha. Presidida só a título honorário pelo senhor bispo, é um facto por toda a gente assumido que vem sendo liderada, na prática, pelo peso retórico do padre novo, tão recente na paróquia como na vida. Talvez de mais, segundo a perspectiva resmoneada por alguns. Sempre são trinta anos fogosos e nunca deveras preocupados em dissuadir as preocupações de outrem, provocadas, como se torna palpável, pela dita fogosidade.
Caso espantoso veio a ser o do bispo, em pessoa, sem paramentos, se ter apresentado na sede à hora de início da reunião, presidindo pois, de viva voz, ao debate anunciado pela ordem de trabalhos. E espanto nenhum escancarou quaisquer bocas a confirmação de que o pároco, desaparecido dias antes, não estaria presente. Aliás, a razão de ser da urgência na convocatória, enviada de boca em boca à comissão, tinha a ver com alguma especulação alimentada acerca do comportamento deste ministro divino em terra de bois e rebanhos.
O padre anterior, arrebatado aos céus, ao que consta, haverá um ano, era um santo homem. Daí, a ideia da homenagem a prestar-lhe sob a égide das mais elevadas instâncias, de que seria baluarte e eminência nos desvãos da diocese o báculo do bispado. Além da óbvia lápide de mármore lavrada em conformidade, contratar-se-ia um artista, fosse qual fosse o preço a pagar pela consecução da obra, para que em tela se perenizasse aquele que a memória dos homens já fizera trepar aos nimbos da irrealidade celestial autorizada. E assim nascera, de parto problemático porque sôfrego na efectivação das pretensões a escasso prazo, a comissão promotora.
Era ela constituída, na sua essência, pelas sereníssimas consortes dos mais importantes entes públicos da cidade. Logo, gente de bom pano e melhor corte, cosido à mão. E também por esposas devotíssimas de proprietários agrícolas, industriais e comerciantes, banqueiros. E por mulheres amantíssimas de seus maridos, quer se falasse de polícias e obrigatórios ladrões a perseguir, quer de empregados de loja, quer de crónicos desempregados, por conformação ou reforma. Dir-se-ia, por palpite de fácil acerto, que, salvo raras excepções, da comissão fariam parte todos os senhores da terra, de máximos a mínimos e vice-versa, quando e enquanto representados por suas senhoras, clientes usuais das barrelas à sombra do confessionário. Ou, por outras palavras, era mesmo todo o mulherio da terra, carente e saudoso de quem tão bela vida tivera, diziam, como a que lhe dera a viver.
Desconfiava-se, nos bastidores infernais das terras circunvizinhas, de que tanta devoção à memória de alguém só se justificaria se, em vida, tivesse havido, da parte do padre, uma total entrega à causa de salvar aquelas almas todas, mas começando pela carne e não pela vanidade do espírito, essa coisa que ninguém sabe muito bem o que vem a ser, onde se tem e se guarda, como se pesa. E consumido por semelhante desconfiança dali se arrastou, noite alta, o epíscopo, homem velho no formato a dar aos passos, bem como no conteúdo e no modo de usar o oco abaixo da calva, comprometendo-se com solenidade a estudar, nos próximos meses ou anos, a mais justa maneira de homenagear o malogrado sacerdote que Deus haverá.
Do padre novo, entretanto, é que nunca mais se soube. Há quem jure que ele fugiu com o pintor contratado.