ESBOÇO DE RELATÓRIO E CONTAS DO TEMPO ANTERIOR AO TEMPO BÍBLICO

O candidato, afinal um tanto céptico em relação à própria capacidade de do nada obter algo tangível, viu-se a voar no acaso da imensidão ao dispor, sem rumo determinado e sopesado a título prévio. Talvez esse mesmo acaso o empurrasse até onde a criação, do que quer que fosse, fosse mais premente porque necessária, mais justificada. E lá veio ele a parar, depois de alguns milhões de milénios, num qualquer recanto de lugar nenhum sem limites mensuráveis, e olhou em volta. Não viu, nem perto nem nos confins, o mínimo vestígio de olhos à espreita dos passos que desse. Nem um daqueles anciãos antes reunidos denotara, como ele, de si para si, sinais de cepticismo acerca do que o candidato ao cadeiral lhe daria a ver, e aos demais, a curto prazo. E se eles tanta e tão cega confiança ousaram investir em seu mérito, havia que de tal prova de coragem fazer a chave mestra e com ela escancarar, daí para diante, todas as portas fechadas ao sentido que entendesse tomar em favor de uma mais célere inclusão no conselho dos eleitos.
Assim, porque se sentiu em segurança, sem testemunhas, pegou num pedaço de asteróide a vagabundear por ali, amassou-o contra a palma das mãos, à força de cuspo, e refê-lo com um feitio arredondado, uma esfera quase perfeita, levemente achatada nos pólos. Com mais saliva que arte, cobriu-lhe a maior parte da superfície e começou a gostar da obra, pelo que, na parte a seco, aproveitou um restinho de lama e com tal material modelou, à sua imagem e semelhança, um boneco vivo, já munido de olhos e boca, braços e mãos, pés e pernas, e logo a correr e a saltar por cima de tudo. Seria aquela criação suficiente para obrigar os anciãos à concessão da cadeira entre eles prometida ao candidato? Por não estar muito certo disso, criou também a mulher. E só aí é que a serpente entrou em cena e fodeu tudo.